sábado, 22 de fevereiro de 2014

Tu és meu - 1 (conto gay)


1 – Sábado, 8/6


 

            Era tão bom roçar-me na cama. Adorava abraçar-me à almofada e roçar-me duro. O Fábio na escola já tinha dito que isso era normal, que quando isso acontecia significava que já eramos homens, os homens faziam isso. Eu não percebera bem quando ele o dissera, mas experimentei e agora sabia… era tão bom. Era bom sentir-me duro contra os lençóis e eram umas cócegas boas, que arrepiavam e sabiam muito bem, mas o melhor era o choque elétrico que acontecia passado um bocado. O irmão do Fábio tinha-lhe dito que isso chamava-se ‘vir-se’. Eu deitava um líquido branco e o Fábio dizia que era normal, e também era normal ficarmos a tremer, cansados, como se tivéssemos estado a jogar à bola. Eu concordava com tudo o que o meu colega dizia… era muito bom sentir as cócegas enquanto me roçava e ainda era melhor o choque elétrico quando deitava o líquido branco… fiquei quieto a respirar depressa como se tivesse estado vinte minutos a correr. Fechei os olhos a sorrir… eu adorava mesmo aquilo.

            - Tu estiveste a fazer o que eu acho que estiveste?

            Senti-me a estremecer com o susto e abri os olhos, quase em pânico. O meu primo estava a olhar para mim com um sorriso de gozo. Senti um enorme calor na cara. Vi-o curvar-se sobre a cama e agarrar-me os lençóis.

            - Não, Pedro…

            Tentei agarrar a roupa, mas não fui a tempo, ele puxou tudo para trás, destapando-me. Instintivamente encolhi-me sobre mim próprio, tentando tapar-me, mas não deu para o fazer bem… estava sem as cuecas e ele viu tudo, percebeu bem o que tinha acontecido.

            - Vieste-te! – aquilo era uma afirmação, não uma pergunta

            Queria por as mãos na cara… não sabia porque estava com vergonha, mas queria fazê-lo. Claro que não podia porque tinha de me tapar… escondi a cara na almofada para não o ver e para ele não me ver a mim.

            - Vieste-te sim! – senti-o a rir e adivinhei que ele estava a olhar para a mancha molhada nos lençóis

            - Vai-te embora, Pedro! – gritei com a cara enterrada na almofada, senti-me a morrer de vergonha

            Estava a pressionar o meu corpo com toda a força contra a cama, mas isso só me valeu uma valente palmada no traseiro que estalou pelo quarto e me fez dar um pulo na cama.

            - Não sejas parvo… deixa-me ver! – riu-se quando continuei a resistir a que ele me tirasse as mãos da frente do sexo – então, Nuno? Para já com essa merda! – a sua voz tornou-se dura – deixa-me ver!

            Eu tentei mesmo resistir, mas ele abriu-me as pernas e ficou-me a olhar. Eu com 13 anos, ele com 21, não consegui evitar. Fechei os olhos com força, não queria que aquilo estivesse a acontecer, não queria que ele me tivesse apanhado. Que vergonha... mas os segundos passaram e o seu silêncio tornou a minha curiosidade mais forte do que a minha vergonha. Olhei-o. Esse movimento fez com que ele desviasse os olhos do meio das minhas pernas para a minha cara, mas depois de sorrir voltou a fixa-los no meu…

            - Já fazes isto há muito tempo?

            - Não. – murmurei sentindo a cara a ferver

            - Agora já és um homem, primito! – ele tornou a olhar-me a sorrir

            Adorei ouvir aquilo, a minha vergonha e o meu medo do que ele poderia dizer atenuou-se, parecia orgulhoso de mim… senti o meu corpo descontrair-se, foi um alívio enorme, pensei que fosse gozar-me.

            - Estou orgulhoso de ti. – sorriu-me

            Eu comecei a sorrir também, timidamente, mas parei quando ele passou o dedo na minha barriga molhada e depois o levou à sua boca, chupando-o.

            - O que é que estás a fazer? – perguntei-lhe abrindo os olhos de espanto

            Ele sorriu ainda mais.

            - Tens de limpar isto. – disse pegando na minhas cuecas e passando-as na parte molhada dos lençóis – ninguém pode saber, ouviste? Nem a avó!

            Acenava-lhe com a cabeça quando a cama desapareceu, senti-me a cair.

 

            Abri os olhos e dei comigo sentado a respirar rapidamente… tinha sido um sonho. Sonhara com o meu primo, com a primeira vez que me tocara.

            Sacudi a cabeça… o que é que eu iria fazer agora, sozinho?

            As cenas passaram-me pela cabeça rapidamente, umas atrás das outras. A forma como eu adorara que ele tivesse começado a interessar-se mais por mim depois de me apanhar a… dando-me uma atenção e tratando-me duma maneira como nunca fizera até então; como começara a querer estar mais comigo, quando até aí não tinha paciência nenhuma para mim e se aborrecia quando eu procurava a sua companhia; como começara a levar-me com ele para jogar à bola e para andar de mota; lembrei-me de como me dissera que tudo aquilo era normal, que ele também fazia o mesmo que eu… todos os homens faziam aquilo. O meu colega Fábio nunca disse que o irmão lhe tocava, mas o Pedro dizia que era normal, os homens mais velhos ensinavam os mais novos, só que nunca se contava a ninguém; disse-me que o irmão do Fábio o devia ensinar, mas que ele não dizia essa parte porque era proibido, como era proibido eu dizer que o meu primo me tocava para me ensinar a mim… e se ele me tocou…

            Primeiro começara a aparecer lá em casa mais vezes, principalmente quando eu ainda estava a dormir, acordava-me e pedia-me para fazer… para o fazer à sua frente. Ensinou-me a usar a mão e observava-me atento enquanto o fazia, era normal os mais velhos ensinarem os mais novos, toda a gente o fazia só que nunca se falava nisso a ninguém, era proibido. Mais tarde nos passeios mostrou-me ele como se fazia, começou a masturbar-se comigo. Quando acabávamos de jogar à bola ele levava-me a ver o mar e batíamos sempre uma antes de ir para casa. Era o nosso segredo e eu gostava de ter aquele segredo com o meu primo… comecei a gostar de fazer aquilo, se calhar sempre gostei. Ele era o meu primo mais velho, fazia-me sentir igual a ele, adulto como ele, tornara-se meu amigo e fazia-me sentir bem. Gostei muito da primeira vez que foi ele a bater-me uma para me mostrar, depois eu a ele para ver se o fazia bem… a seguir veio o sexo oral e depois…

            Agora acabara tudo, o Pedro casara-se e disse-me que não me queria mais, não daquela maneira. Agora tinha uma mulher, queria ser-lhe fiel, queria dedicar-se a ela e eu estava a mais… depois de quatro anos em que me fez tudo o que quis e ficava furioso comigo se eu lhe dissesse que não, em que não me deixava sair com ninguém e andava atrás de mim a controlar-me, em que me ameaçava se eu dissesse a alguém, em que me procurava para ter prazer… e para me dar… agora não me queria mais.

            Ele sempre tivera namoradas, ele podia fazer o que queria, eu é que não… foi um inferno, mas ele não cedeu, ele era o mais velho, era quem mandava, eu era o puto mais novo, fazia o que ele queria e pronto… sem discussão… eu ficava a ferver de fúria, ou ficava triste, mas ele acabava sempre por voltar para mim, sempre me quisera, sempre houve momentos em que saíamos só os dois, mesmo depois de eu já ter percebido bem que aquilo não era só para me ensinar o que quer que fosse… não sou propriamente estúpido e a história do ensinar-me só funcionou durante algum tempo. As notícias na televisão falam muitas vezes de familiares ou amigos próximos que abusam de menores, a certa altura deu para perceber bem, mas eu já não me importava, já não era abuso, muitas vezes já era eu que o procurava a ele, era eu que queria… com 14 anos, com 15, com 16… íamos para a praia, andar de bicicleta, íamos passear só os dois na Arrábida… era o nosso momento, ele dizia que era para podermos brincar os dois sem que ninguém visse e soubesse… mas o brincar era foder, e foder a sério.

            Ele sempre foi bom para mim quando eu fazia o que ele queria, era protetor, preocupava-se comigo, queria manter-me debaixo de olho para que não me acontecesse nada, dizia-me que eu era especial, que gostava muito de mim e que tinha muito orgulho em mim, mas também era bruto quando eu tentava relacionar-me com outras pessoas… ficava furioso, ele não gostava mesmo de me ver com alguém, quer fossem rapazes ou raparigas, eu era dele e nem me importava demasiado com isso, sentia-me especial, gostava dele, gostava de lhe tocar, que me tocasse e gostava de… gostava também que me desse atenção, que me fizesse sentir bem… e agora acabara tudo… agora ele casara e deixara-me sozinho.

 

            Levantei-me e vesti os boxers para ir à casa de banho. Sentia-me… na merda, nem sei explicar, sentia-me doente… tinham sido quatro anos, ele era tudo o que eu conhecia, era o centro do meu mundo.

            Tão ciumento, tão possessivo, bruto comigo quando me via a falar com raparigas, mais bruto ainda quando me via a falar com rapazes, ficava furioso se me apanhasse a ser simpático com alguém… e agora dissera-me que acabara… assim, sem mais nem menos, sem mais nada, ia casar e não me queria mais, o que nós tínhamos acabara… levou-me a casa depois da sua despedida de solteiro, usou-me outra vez, fez-me alivia-lo, e depois disse-me que era a despedida, que era a última vez… que acabara tudo entre nós. No sábado anterior, no seu casamento, quase que me ignorara e depois disso… depois disso eu ficara sozinho.

            Olhei-me no espelho e vi os meus olhos ainda inchados. Fechei-os e vi logo o Pedro a abotoar-se para se ir embora. Era o pensamento recorrente, todos os dias, durante toda a semana… ele não me queria mais e eu estava sozinho…

            - Tens 17 anos, puto… já sabes bem o que tens de fazer, arranjas miúdas com facilidade, elas gostam de ti que eu sei… e os rapazes também, se preferires. – fizera um sorriso de gozo e percebi que ele já entendera que eu… já percebera bem o que eu preferia. Detestara ouvir aquilo, odiara-o nesse momento, mas não lho conseguira dizer

            - Porque é que não me queres mais? O que é que eu fiz? – lembrei-me de sentir as lágrimas nos olhos quando dissera isto

            - Esquece, puto, já te ensinei tudo o que precisavas… se gostas de homens, já sabes bem dar prazer a um, agora é contigo.

            - Já não te dou?

 

            Abri os olhos outra vez. Abri a torneira e lavei a cara com água fria, tinha de recuperar para a minha avó não perceber… não queria que ela percebesse. O Pedro fizera-me ver que me usara, mas que me dera prazer nesse processo e eu tive realmente prazer a aprender com ele, tive mesmo. Ele ensinara-me em troca de alívio e eu aprendera e ganhara experiência… era a verdade e ele estava certo, eu sabia-o… mas custava muito…

            E agora? Foda-se… estava sozinho. Passara uma semana em que ele estivera no bem bom com a sua mulherzinha, a passear pelas dunas do Brasil de mãos dadas, nas praias paradisíacas a fazer amor, fechado no quarto do hotel a… e eu ficara por aqui sem ninguém, sem saber o que fazer, sem conseguir fazer grande coisa que não fosse chorar e pensar no que seria a minha vida a seguir. Mas acho que me começava a sentir melhor, pelo menos não o via, pelo menos ele estava longe em lua-de-mel e o ditado está certo nisso… longe dos olhos…

            Sentia-me aborrecido, tipo… à beira do suicídio… só pensava no Pedro e no que ele se devia ter divertido com a mulherzinha dele. Sentia-me a enlouquecer. Horrorizava-me a ideia de o imaginar dentro dela, de o imaginar a ter prazer com… mas ela é que era gira, inteligente, carinhosa, cheia de bom humor e muito divertida, enquanto eu… e ele gostava era de mulheres, por isso eu é que era descartável… ele nem hesitara, odiava-o por isso, odiava-o por me ter usado quando não tinha mais ninguém, por ter abusado de mim para ter prazer e agora… e odiava-o ainda mais por saber que se ele entrasse ali e me mandasse despir eu iria faze-lo, feliz da vida e com um enorme sorriso… grato por ele ter voltado e por me querer novamente.

 

            Estava sozinho em casa, como de costume, os meus avós saíam cedo para as fazendas e geralmente nem voltavam para almoçar. Por um segundo ainda pensei em ir ter com a minha tia, mas nunca mais o tinha feito desde que… não queria vê-la, não a queria ouvir a falar no filho querido… porque ele tinha ido de lua-de-mel para o Brasil, porque a mulher era um anjo, porque não sei quê… eu não queria pensar no Pedro. Senti as lágrimas nos olhos outra vez, mas cerrei os dentes e consegui reprimi-las. Já estava a ficar melhor, mas passara a noite a chorar outra vez quando soube que eles iam sair no dia seguinte… era hoje que apanhavam o avião…

            Isto já chegava, porra. O que é que eu podia fazer agora, para me manter ocupado? Podia estudar…

            Pois, o que mais apetece neste momento é estudar, até estou mesmo com cabeça para isso… pensei revirando os olhos.

            Acho que deve ter sido o primeiro sorriso depois de dias consecutivos na merda… se calhar já estava mesmo a recuperar… já era bem tempo!

Podia fazer o almoço para os meus avós, de certeza que a minha avó ia adorar e o meu avô delirava a ver o neto aplicar aquilo que aprendera na escola, comia sempre tudo e fazia imensos elogios, ele estava a adorar ver-me na escola outra vez, mesmo que fosse num centro de formação profissional a tirar um curso de cozinha e pastelaria.

            Mas claro que não me apetecia nada disso, não me apetecia nada mesmo… mas também não podia voltar para a cama, acabaria a pensar nele e o mais certo era acabar a chorar outra vez… e ele não o merecia, estava de regresso do Brasil, da lua-de-mel, feliz com a sua nova mulherzinha…

Puta que o pariu!

            Apeteceu-me dar um chuto na sanita, mas estava descalço… se calhar a dor até me fazia bem…

            Será que o Chico já está levantado?... perguntei-me

Ao entrar no quarto olhei para o despertador… 7h12, era muito pouco provável… que já estivesse levantado ou que se levantasse entretanto, tinha um namorado novo e pelo que me disse, eles costumavam deitar-se cedo mas adormecer muito tarde… o que fazer?

            Vou correr!

            A ideia ocorreu-me de repente. Era chique correr, agora era moda em todo o lado e já tinha chegado ao Meco. Era bem melhor que dar pontapés nas sanitas ou murros nas paredes. Podia ir a correr até à praia e voltar, só esperava aguentar… ia fazer-me bem.

            Vesti uns calções e uma t-shirt, calcei uns ténis e arranquei. Era isso mesmo, sabia bem sentir o fresco da manhã, o cheiro dos pinheiros, o cheiro do mar… e os sons… claro que não consegui deixar de pensar, mas consegui concentrar os meus pensamentos no único amigo que tinha. O único amigo que o Pedro me permitira ter.

            O Chico é meu amigo desde criança. Ele é de Alfarim, enquanto eu sou do Meco, um puto da aldeia como eu… mas apesar de não termos andado na mesma escola, andámos juntos no futebol e sempre fomos amigos. É mais velho um ano e tal, já vai fazer 20, enquanto eu ainda vou fazer 18, mas é um bocadinho lerdo e eu sempre gostei dele por isso. Além do mais, o que lhe falta de inteligência tem de sobra em bom feitio, é mesmo boa pessoa, é um bom tipo e eu gosto dele. Também é gay, descobrimos isso há algum tempo e a primeira vez que esteve com um gajo foi comigo, há dois anos, quando eu fiz 15 anos.

            O meu primo ficou furioso quando descobriu… furioso mesmo, mas eu não quis saber, nem ele tinha razão nenhuma, nessa altura arranjara uma namorada e não me ligava, não me dava atenção… que culpa é que eu tinha? Eu estava a precisar de… e as coisas com o Chico proporcionaram-se… não me arrependi um minuto. Foi a única circunstância em que o enfrentei, ele proibira-me de voltar a ver o meu amigo e eu não aceitei isso, não aceitei mesmo, foi a única vez em que lhe desobedeci e em que lhe continuei a desobedecer, continuei a gostar do Chico e continuámos a ir para a praia os dois. Não voltámos a… o meu primo não deixou, mas continuámos amigos e nunca abdiquei dele, o Chico é o Chico, sempre fora meu amigo e estava acima de ciúmes, mesmo do Pedro.

            Ele agora tinha um gajo, um tipo qualquer de Santana, mas antes disso teve casos com vários tipos, geralmente betinhos de Lisboa que gostam de alugar casa de fim de semana ali no Meco. A maioria dos seus casos foi com gays, mas sei que até teve mais de uma experiência com homens casados. Isso não era para mim, eu gosto de coisas sérias e duradouras, e acho que não aguentava saber que me ia embora e o gajo com quem eu tinha estado ia para casa, para a cama com a mulher… é engraçado pensar isto quando o meu homem de quatro anos acabou de casar e está a regressar da lua-de-mel.

            Seja como for, o Chico é amigo de muitos gays que têm casa ali no Meco. Mesmo estando a sair com o Álvaro de Santana, se eu saísse com eles podia vir a conhecer alguém. A maioria tem namorado, mas de vez em quando trazem amigos que estão sozinhos, nunca se sabe quem pode aparecer e o que pode acontecer. O Pedro nunca mais me toca, isso é uma certeza absoluta.

 

            Assim que entrei na zona do pinhal o piso tornou-se menos duro e o ar mais fresco, adorava aquele lugar. Veio-me logo a imagem do Pedro… nós por ali a apanhar pinhas para a lareira, a conversar, a fazer amor… bom, eu a fazer amor, ele a usar-me para ter prazer… para se aliviar… são coisas diferentes. Mas eu não me importo, a verdade é essa. Não me importo, nem me arrependo de nada, eu gostei de ser usado por ele e tive muito prazer nisso, adorava-o e só tenho pena de não me querer usar mais

            Wow… quem é este?

            Vi um tipo a correr na minha direção. Um tipo mais velho, devia ter a idade do Pedro, vinte e muitos, a caminho dos trinta… podia já ser um bocado cota, mas era giro, muito giro mesmo… e eu até gosto de cotas, o Pedro tem quase 30 anos, também já é cota. Senti os meus olhos a subirem e descerem por ele… dasss que ele era mesmo giro… e não só era bonito, como consegui ver as suas pernas grossas… e os músculos…

            Calções de um tecido qualquer que eu não conhecia mas que lhe ficavam a matar, t-shirt de um daqueles centros de ginástica finos de Lisboa… o sacana era podre de bom… ténis de marca e os fones nos ouvidos… devia ter um ipod ou ipad, ou uma merda dessas. Era lindo… senti calor na cara e cerrei os dentes, sabia bem que estava corar… foda-se

            Quis desviar os olhos dele, mas não consegui… ele foi-se aproximando e quanto mais se aproximava, mais giro era… geralmente acontecia o contrário… muito giros ao longe e depois quando se aproximavam era o pânico absoluto. Este não. Era tão lindo que até metia nojo. O meu coração disparou, a minha cara a ferver e o meu corpo a tremer de frio… isto não é normal, porra.

            O tipo olhou-me também e sorriu-me… que sorriso lindo… e não só me sorriu, como me piscou o olho. Era um cumprimento? Que porra era aquela? Eu olhei para trás, mas ele não fez o mesmo, continuava a correr calmamente, com grande estilo, confiante, como se fosse o dono do mundo… parecia flutuar de um pé para o outro, a um ritmo constante, leve, cheio de pinta. Tornei a olhar para a frente e… foi tarde demais, tropecei numa merda qualquer que estava no caminho e espalhei-me ao comprido… duplo foda-se.

            É engraçado as coisas que passam pela cabeça das pessoas quando acontecem cenas destas, a minha preocupação foi… levantar-me? Não, não foi nada disso, a minha primeira preocupação foi olhar para trás a ver se o gajo me vira a cair. Não, ele não olhara para trás uma única vez… cabrão.

Levantei-me desconsolado. Balanço da cena: joelhos vermelhos mas sem estarem esfolados, mãos esfoladas mas sem deitarem sangue… podia ter sido pior… recomecei a correr ainda a coxear um bocadinho, mas pouco depois retomei o ritmo e continuei normalmente até à falésia… estava vivo e de boa saúde, o cromo não me vira cair, nem ouvira nada por estar com a música nos ouvidos. Pelo menos poupara-me a uma humilhação.

 

            Sentei-me à beira da falésia a ver a praia aos meus pés e a imensidão do mar à minha frente. Adorava estar ali, aquele era um dos meus sítios favoritos.

            No início de Junho já havia mais pessoas a fazerem praia apesar do tempo ainda estar manhoso. Estava sol, mas uma constante aragem fresca. Lembrei-me do meu avô ter dito que era o ano mais frio dos últimos 200 anos, o bom tempo estava atrasado. Ele vira isso na televisão e estava preocupado com as terras e a produção. Se fosse mesmo assim, pelo menos o Chico ia ter mais trabalho… com o tempo mau os jardins deviam precisar de mais cuidados e portanto teria de trabalhar mais. Ele tirara o curso de jardinagem no mesmo centro de formação que eu e até fora ele que me convencera a ir tirar o meu curso; agora cuidava dos jardins das pessoas de Lisboa e não ganhava bem com isso, mas conseguia viver… também por isso conhecia todos os gays que ali tinham casa, era quase o jardineiro oficial da comunidade gay com casa de fim de semana no Meco. Ri-me com a ideia.

            Senti alguém a passar atrás de mim, pelo canto do olho vi um vulto. Era um tipo bem mais velho a passar. Já devia ter mais de 40 anos… eu até gosto de gajos mais velhos, mas não assim… ainda por cima gordo, virei-lhe as costas e fixei o mar.

            Se tens o azar de me dizer alguma coisa, meu… ai se me dizes alguma…

            Felizmente não o fez.

            Eu sabia bem que aquela zona era onde os gajos se engatavam no verão e sabia bem que indo para ali corria o risco de uma cena daquelas acontecer… tipo, meterem-se comigo; sabia isso porque o Pedro de vez em quando passava por lá e tinha-me dito… nunca soube o que ele ia fazer, nem nunca quis saber, mas dá para imaginar, não é? Sempre tivera ciúmes disso, sempre fora um problema esse comportamento dele, a mania que ele tinha de ter namoradas e ainda por cima passar por ali para encontros ocasionais com tipos… ele dizia que ia apenas ver o que lá se passava, mas… por favor… sempre me irritaram as pessoas que tentavam fazer-me de estúpido. E a injustiça também me irritava, exigia que eu não estivesse com mais ninguém, proibia-me de sair com quem quer que fosse… e depois fazia aquilo?

            Sacudi a cabeça para afastar aqueles pensamentos e voltei a olhar para trás, mas o outro já se tinha ido embora. Tinha desaparecido. Menos mal. Devia estar mesmo desesperado para andar ali já àquela hora. Se calhar tinha estado com o bonzão… seria possível? Não, não, isso não era possível…

Pelo canto do olho vi-o reaparecer a alguma distância e quando olhei abri a boca de espanto. Era só o que me faltava, meu… ele estava ao longe a olhar para mim e a bater uma. Era impossível descer mais baixo que isto, porra, ter um gajo daqueles a olhar para mim e a bater uma.

            Eu não acredito!!

            Levantei-me imediatamente e arranquei a correr de volta a casa. Ninguém merecia uma merda destas. Primeiro um gajo giro e podre de bom que me ignora… depois apanho um a… será que ele estava à espera que eu fosse ter com ele? Não era possível.

            Três vezes foda-se!

            Seja como for, ele tinha as mesmas hipóteses comigo que eu tinha com o corredor bonzão… seria gay ou não? Lindo como era, devia estar mais que casado e não ia olhar sequer para um gajo como eu. Era de um nível muito superior ao meu.

 

            Cheguei a casa com a telha à mesma, e cansado, e ainda por cima esfolado. Não valia a pena, quando se está em má onda, está-se em má onda e não há nada a fazer. Vi o telemóvel. Tinha uma mensagem do Chico.

            - Já? – ri para mim próprio – deves ter caído da cama!

            «Estás melhor?»

            «Sim. Não quero falar nisso»

            A minha resposta foi curta e grossa, não queria mesmo… já passara uma semana, tínhamos falado no fim de semana anterior quando eu estava completamente desorientado. Agora continuava doente com a ideia de não ter ninguém e era isso… não achava justo, não achava que merecesse ser largado assim, ser trocado quando sempre tinha feito tudo o que ele queria, quando nunca tinha dito que não a nada; ele usara-me como quisera, fizera o que lhe apetecera, satisfizera tudo o que… coisas que…

            Senti lágrimas nos olhos outra vez, mas tornei a conseguir conte-las, a nova mensagem do Chico distraiu-me.

            «Queres vir tomar café, estou no Vermelho»

            Dasss

            Que pancada que o gajo tinha com aquele café… era o café mais rasca de Alfarim… aliás, aquilo não era um café, era uma taberna, cheia de velhos e saloios a falar de bola… de bola não, do Benfica… aliás, o nome do café diz tudo, não é?

Eu não tenho nada contra o Benfica, nem pensar nisso, é o clube do meu avozinho que é doente por futebol, mas haja pachorra… tomar café a ouvir falar nas novas contratações e no árbitro que tinha roubado um penalti não é bem a minha onda. Eu só costumava lá ir quando saíamos dos treinos de futebol. Aquilo ficava ao pé da associação e era onde acabávamos por ir todos pois era onde encontrávamos os poucos adeptos do nosso clube… era das poucas vezes em que falavam de nós em vez de falarem do Benfica. Seja como for, já deixara de jogar há mais de um ano e deixara de aparecer...

            Mas se ficasse em casa ia acabar por ficar a matutar na merda da minha vida e provavelmente acabaria a chorar outra vez, por isso aceitei. Precisava mesmo de me distrair, já passara uma semana a chorar pelo Pedro… já chegava, mas é que já chegava mesmo. O meu amigo costumava estar bem disposto, dava para me divertir, gostava de o ver com o Álvaro, era agradável ver a sua cumplicidade e a maneira como se picavam um ao outro… tinha um bocado de inveja deles, mas isso logo passaria.

            Com um bocado de sorte estariam a conversar com alguém interessante e podia acontecer que esse alguém estivesse livre. Com um bocado de sorte era alguém que me daria um pouco de atenção e me faria sentir bem… pelo menos durante um bocado.

            Mesmo que não acontecesse nada disso e que passasse uma hora a ouvir falar do Benfica, naquele momento qualquer coisa era melhor do que o que me andava a passar pela cabeça e até as contratações do Benfica eram um assunto mais interessante do que o que me andava a ocupar a mente.

            Peguei na bicicleta e arranquei para lá. Demorei um bocadinho, mas não muito. Eu bem gostava de ter uma mota, mas não sou propriamente rico…

ver parte 2
 

2 comentários:

  1. Meu caro Nunu. Tenho estado ausente e não só não tenho vindo aqui como não tenho escrito nada. Quando falamos a primeira vez voce disse que a escrita era muito dificil para si mas hoje ao ler a primeira parte deste conto dou-lhe os parabéns. Sendo um conto longo e porque já é tarde amanhã leio o resto. Está muito bem construído e volto a dar-lhe os parabéns. Lembra-se de mim? Sou o Nelson Camacho do "O Canto do Nelson" Um abraço e continue a escrever assim.

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  2. Olá Nelson... claro que me lembro, continuo a ir ao 'canto' de vez em quando.
    É um conto muito longo mesmo, emtusiasmei-me com a história, só publiquei uma fração minima. abraço grande

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